Um irmão muito amado enviou-me para conhecimento um vídeo do conceituado pastor (ou teólogo???) John Piper no qual é entrevistado sobre sua opinão quanto ao pastor desejar e se esforçar por estudos no nível de doutorado. Sei que esse meu amigo não comunga com o argumento de Piper, mas o vídeo me permitiu momento para escrever sobre este que é um tema recorrente no debate entre as alas dos 'piedosos' contra os 'acadêmicos'. Se você é membro de uma igreja protestante já deve ter ouvido algo assim. A expressão mais comum é: "prefiro conhecer Jesus, estudar a Bíblia, mas não gosto de doutrina". Abaixo segue o link do vídeo e depois minhas considerações sobre o tema. Oh, dúvida cruel...
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=RjPBt35ksKI
1 - De pronto, ele erra na dissociação entre estudo acadêmico da Bíblia e estudo pastoral da Bíblia. Paulo era pastor ou acadêmico? Ele amava as ovelhas e conhecia os clássicos filosóficos de sua época. A dissociação pastor-teólogo não existe. Isto me lembra de alguns colegas do curso no seminário que viviam dizendo "quando terminar o curso, quero ser pastor não teólogo", no entanto (pasme!) eles estavam estudando TEOLOGIA e com a formação eles seriam TEÓLOGOS, quer gostassem ou não..
2 - O doutorado de Piper foi no NT, feito em Munich, sobre o texto "Amai vossos inimigos" (http://www.theopedia.com/
3 - Ele demonstrou uma confusão de papéis no assunto do dons: "...outros para evangelistas e outros para pastores e mestres" (Ef 4.11). Aplicando a lógica dele, no trato com as ovelhas de Jesus nem evangelistas nem pastores deveriam entender a diferenciação entre a doutrina bíblica e o ensino herético dos mórmons, TJ, adventistas, agnóticos, etc. Pois isto só se consegue com rigor nos estudos teológicos.
4 - Julgar que um só versículo não merece defesa é aceitar a possibilidade de que a Bíblia possa abrigar uns e outros pequenos versículos falíveis e poucos merecedores de aprofundada defesa quanto à sua inerrância e coerência com a Verdade (João 17.17; 8.32; 14.6). E para esta defesa da Verdade encontrada em cada versículo bíblico, a mesma que fundamenta o conselhamento e as pregações pastorais (inclusive dele, John Piper), é necessário estudo aplicado. Se o doutorado pouco vale, ele deveria apagar da mente as contribuições do estudo doutoral sempre que pregar neste versículo ou noutros que recebem implicações deste no entendimento bíblico. Isto eu não posso aferir, por ser foro íntimo. Mas sei que ele nunca mais pregou o "Amai vossos inimigos" do mesmo jeito, após o doutorado.
5 - Desvalorizando o estudo acadêmico, ele desmerece os grandes documentos teológicos da Igreja de Cristo (credos, confissões, catecismos, obras clássicas diversas) por serem produto do trabalho de grandes doutores em teologia, principalmente puritanos, os quais sempre foram reconhecidos por sua preocupação pastoral. Poderíamos aqui fazer uma distinção entre o ensino doutoral antes e depois da época iluminista, que tendeu a privilegiar o estudo especializado (saber cada vez mais sobre cada vez menos) em detrimento do ensino generalista da época medieval e renascentista, mas em nada ajudaria no argumento defendido por Piper.
6- Persistir nesta avaliação é, para John Piper, negar a fonte de sua própria projeção como líder cristão mundial, pois suas dezenas de publicações, o ministério Desiring God (http://www.desiringgod.org/) e demais realizações teológicas são nutridas na seiva que brota do tronco grosso conquistado no estudo para o doutorado e após ele. De 1974 para cá, ele vem colhendo o fruto deste esforço. Após seu doutorado ele passou 6 anos ensinando no Bethel College (1974-80), Minnesota, EUA; por certo isto deveu-se à sua formação doutoral. Sua produção acadêmica é tão vasta em temas importantes que o Bethel Seminary editou um livro com artigos de grandes teólogos só para analisar suas contribuições teológicas (http://bethelseminary.worldcat.org/title/for-the-fame-of-gods-name-essays-in-honor-of-john-piper/oclc/515436017.) Limitar esta visão desaconselhando os futuros pastores a buscarem estudos aprofundados é desejar que as gerações futuras somente se alimentem em caules finos.
7 - Concluindo esta avaliação, vale dizer que não sei se a Universidade de Munich tinha orientação liberal à sua época (1979-1974), levando-o a se aprofundar em discussões áridas fundamentadas em expoentes da Alta Crítica, o que lhe provocaria desânimo no estudo acadêmico, ou que o tenha encorajado a buscar as riquezas da Palavra de Deus como se vê em sua obra; mas se no vídeo acima ele foi coerente com o que realmente pensa (e eu acho que não) creio que Piper falou como um evangelista frustrado por ter perdido (sic!) tempo no estudo avançado das Escrituras no nível de um doutor. Sua mensagem neste vídeo só se sustenta nesta ótica: uma tentativa de se evitar que outros evangelistas pouco afeitos ao estudo se frustem como ele ao final de seu ministério essencialmente acadêmico e doutoral.
Para ser pastor, não é fundamental almejar o doutorado, mas desaconselhar o contrário é uma incoerência com a própria natureza do ministério pastoral: afadigar-se na Palavra. A vida pastoral é uma vida de estudo, com poucas ou muitas ferramentas acadêmicas, e todas submissas e aplicadas ao conhecimento de Deus, revelado em sua Palavra.
Doutorado nada serve? Vejam-se os frutos.
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